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A (DES)CONFIANÇA NA RELAÇÃO ENTRE CLIENTE E FORNECEDOR ou A CANTIGA DO CATIVEIRO

Escrito por Marco Ornellas

  “Desculpe não ter dado a resposta antes. Avançamos nas aprovações internas pois devido a uma situação de sistema havia ficado paralisado. Resolvemos isso.” Email enviado pelo Diretor de uma Grande Companhia a um fornecedor. Cinco dias depois: “Pedimos desculpas mais uma vez, fizemos todo o esforço interno com todos os envolvidos das áreas financeiras e outras relacionadas. O pagamento está previsto para …” (pagamento prometido para 14 dias depois dos 60 dias do vencimento original). O que pode parecer uma troca de mensagens pontuais, é mais frequente e comum do que imaginamos. No universo das relações entre clientes e fornecedores, as desculpas e mais desculpas vão evidenciando as justificativas e o contexto que ainda vivemos: problemas de sistema, atraso nas aprovações e autorizações, janelas de recebimento de notas cada dia mais reduzidas, políticas de pagamento com 90 ou mais dias, cadastros burocráticos e uma lista infindável de documentos e certidões. Ainda temos cláusulas abusivas em contrato, pagamentos realizados em um único dia da semana, exigência de entrega de nota fiscal física em endereço do cliente e uma infinidade de práticas que evidenciam um abuso do poder econômico e diferenças de tratamento dos stakeholders. São posturas diferentes adotadas diante dos clientes, dos funcionários e dos fornecedores. Ao que parece, o “parceiro” fornecedor ainda não está sendo considerado tão parceiro assim. Certo? As relações desbalanceadas entre empresas e fornecedores coloca em xeque uma das premissas do Capitalismo Consciente, que é orientação para stakeholders e, segundo Richard Barrett, compromete o nível de maturidade de uma organização, já que o sucesso somente ocorre quando todos participam do resultado em uma relação de interdependência. Isso mesmo, todos participam do sucesso. A ideia de participação e interdependência é necessária para a nova economia, o novo capitalismo. Nas mensagens expostas acima e nas várias práticas de mercado, nota-se que clientes ainda se preocupam pouco com seus fornecedores, deixando de ser uma relação parceira ou de ganha-ganha. Orientação para stakeholders como uma estratégia de gestão, requer uma cultura e uma liderança consciente e ações que impactem o meio ambiente, a sociedade e que sejam legitimadas por uma governança consciente. Aqui um ponto de reflexão: vivemos uma “crise de uma humanidade que não consegue se tornar humana”, nas palavras de Edgar Morin. Vamos voltar um pouco no tempo, um passeio pela nossa história. Para os grandes fazendeiros, imaginem o que foi a chegada da Abolição. Sair de um tempo em que a mão de obra era de graça, pouco ou nada impactava nos custos de produção, para um momento em que ela precisava ser remunerada. Por maior que tenha sido o choque – ou por melhor que os fazendeiros tenham se preparado para ele – o café estava no campo e precisava ser colhido. A transição foi feita, seguindo as novas leis. E por mais que os fazendeiros se adequassem a elas (o que nem sempre aconteceu de fato), a mentalidade continuou a mesma. Por muito, muito tempo. Nem mesmo a chegada de uma nova força de trabalho vinda de fora, especialmente italianos e espanhóis, mudou essa mentalidade. Novamente, tiveram que se adequar, encontrando outras formas de se relacionar com seus novos “parceiros”. Claro que nessa relação, a parceria não era nada equilibrada, ainda valendo a mentalidade de antes. Os abusos eram constantes e voltaram a se intensificar, quando veio uma nova transição e saíram de cena os trabalhadores estrangeiros, dando lugar aos nativos da terra, na maior parte, descendentes de escravos. Nessa época, surgiu o que colonos chamavam de “cantiga do cativeiro”, que era quando os fazendeiros impunham sua vontade sem meias palavras, deixando claro quem mandava. Inclusive com agressões físicas, quando necessário. Situações análogas à escravidão se repetiam, como ainda se repetem hoje. Formas de exploração eram criadas, como o cambão, uma prática comum no Nordeste até por volta da década de 60, onde os colonos eram obrigados a dar um dia trabalhado na semana para o patrão. Nesse dia, não tinham direito à remuneração e não podiam trabalhar na sua roça de subsistência. Precisavam pagar esse pedágio pelo privilégio que era ter o direito de trabalharem para um patrão tão generoso. Como dá para ver, a relação no Brasil entre empregadores, empregados e fornecedores nunca foi marcada pelo equilíbrio. E ainda não é. Novas épocas, novas tecnologias, novas economias trouxeram somente formas mais criativas de deixar claro o velho ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mas isso faz sentido ainda hoje? Uma empresa que se comporta como um antigo fazendeiro, não vê que os tempos estão mudando? Talvez não. Mas é preciso um alerta, deixar claro que sim, os tempos estão mudando. Até o capitalismo está mudando, se tornando mais consciente, fruto de uma necessidade cada vez mais incontornável, onde abusos serão cada vez menos capazes de gerar vantagens para uma organização. Por exemplo: quando uma empresa coloca o pagamento para 90 dias… Isso é justo com o fornecedor? Talvez não seja, mas se ele quiser fazer o serviço ou vender seu produto, as condições são estas. A partir do poder que detém (e aí, quanto maior a companhia, maior o poder), pode ditar as regras de forma a tirar vantagem. Mas será que isso é mesmo necessário, para que a empresa possa crescer ou manter sua posição no mercado? Já a situação do fornecedor, com certeza, não é confortável, podendo em alguns casos ser a diferença entre continuar no jogo ou não. Tempos atrás, li uma definição de três estratégias na relação comercial empresa e fornecedor. A estratégia de compra pelo menor preço, quando eu coloco o fornecedor e comprador em posições antagônicas e conflituosa, como opositores, e uma relação ganha-perde. Uma segunda é caracterizada como contratual, cumprir cláusulas de contrato. Aqui temos as opções de colaboração, transferência de tecnologia e conhecimento, mas com um início, meio e fim determinado por contrato. E uma terceira onde se estabelece uma relação de parceria, onde trabalhamos juntos, cliente e fornecedor, e onde predominam a cooperação e o compartilhamento, baseados na confiança mútua. Já temos tecnologia e sistemas ágeis, rápidos e efetivos, não há mais desculpa para tempos de aprovação, tempos para processamento e tão pouco para pagamentos. Vivemos em uma sociedade online e as transações hoje são feitas de forma rápida e efetiva. Não precisamos mais de planilhas, cadastros e mais cadastros, certificados disso e daquilo, certidões e firmas reconhecidas. O mundo ficou ágil e rápido, os tempos encurtaram e não faz mais sentido perder tempo com a velha burocracia cartorial, seja pelo fornecedor, seja pelas áreas de compras, compliance, fiscal, jurídica… Estamos em uma nova economia, uma nova sociedade, um novo capitalismo e uma nova humanidade. Estamos esperando o quê? Precisamos trazer a confiança para as relações profissionais. Se você busca meus serviços, é porque está acreditando que eu posso entregar valor ao seu negócio, confia nas minhas entregas. Por que essa desconfiança, do ponto de vista de documentação e certidões? Afinal, é baseado em confiança mútua que estamos construindo uma relação? Se não for, precisamos pensar se ela realmente vale a pena.   Artigo escrito por Marco Ornellas – Consultor e CEO da Ornellas Consulting  
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