CEOs lançam campanha para que o mundo não volte ao normal
Artigo de Rodrigo Caetano
escrito por Rodrigo Caetano
#NãoVolte – Para esses líderes empresariais, o mundo de antes da pandemia não era o ideal. Agora, eles querem construir a utopia
Em 2009, o cientista sueco Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo, liderou um grupo de pesquisadores que publicou um estudo chamado Fronteiras Planetárias. O trabalho, atualizado seis anos depois, apresenta 9 critérios ambientais que tornam possível a vida humana (veja no quatro abaixo). Esses critérios, ou fronteiras, funcionam em conjunto. Um desvio em qualquer um deles influencia nos demais. Mais importante ainda, o trabalho de Rockström determinou métricas de acompanhamento das fronteiras e um limite para elas. Se ultrapassado, as consequências serão desastrosas.
O estudo caiu como uma bomba entre os formuladores de políticas públicas, empresários e investidores. Pela primeira vez, foi possível quantificar, numa linguagem universal, a interferência da humanidade no funcionamento do planeta. Os dados não são bons. Três fronteiras já apresentam indicadores acima do limite: mudanças climáticas, ciclo de nitrogênio e perda de biodiversidade. A conclusão a que todos chegaram é: precisamos salva o planeta.
Rockström, de certa forma, discorda. A questão não é salvar o planeta, mas sim, salvar a humanidade. “O planeta não dá a mínima importância para o que está acontecendo”, afirmou o cientista, em entrevista exclusiva à EXAME. “A Terra vai continuar a existir independentemente do que a humanidade faça. Nós não”. O raciocínio é simples. O mundo existe há mais de 4 bilhões de anos. Nesse período, passou por todo tipo de temperatura, enfrentou erupções vulcânicas, terremotos e até asteróides. O ser humano moderno, bípede e com polegar opositor, está aí há cerca de 50 mil anos, quase uma fração insignificante de tempo.
As 9 Fronteiras Planetárias: Mudanças Climáticas , acidificação dos oceanos, destruição da camada de ozônio, fluxos biogeoquímicos (fluxos de nitrogênio e fósforo), uso da água, desmatamento, perda da biodiversidade, aerossóis (partículas nocivas na atmosfera) e poluição; os itens em vermelho estão acima do limite (Felix Mueller/Wikimedia Commons)
O problema é que, nos últimos 50 anos, os humanos se tornaram uma força ainda maior do que erupções, terremoto e asteróides. O desenvolvimento das cidades, o uso de combustíveis fósseis, o descarte de plásticos e a destruição das florestas pressionam de tal forma o equilíbrio natural do planeta ao ponto de alguns cientistas, incluindo Rockström, considerarem que a humanidade atual se tornou sua própria era geológica. Os seres humanos têm o poder de determinar se, no futuro, o planeta será habitável, ou não.
A pandemia trouxe certa urgência para essa questão. As consequências econômicas do vírus, fruto do desequilíbrio ambiental (animais e humanos convivendo em um ambiente degradado), são apenas uma prévia do que aconteceria caso as fronteiras planetárias colapsem. E o pior: segundo Rockström, lidar com as mudanças climáticas é a parte fácil da equação. “Uma coisa está ligada à outra, mas, proteger a biodiversidade é bem mais complicado”, afirma o cientista.
Para Rockström, é a sociedade que está no controle da nave planetária chamada Terra. Para a humanidade continuar a existir, todas as pessoas precisam se transformar em administradores planetários.
#NãoVolte
A boa notícia é que há uma zona de segurança em que a humanidade consegue promover o desenvolvimento econômico, sem alterar o perfil geológico do planeta. Basta fazer alguns ajustes, como eliminar o uso de combustíveis fósseis, combater as desigualdades sociais, reduzir ao máximo o uso de plásticos, entre outras iniciativas “verdes”. E um grupo de mais de 30 CEOs e dezenas de executivos e representantes de organizações sociais está empenhado em fazer isso acontecer.
Uma parte desse grupo aderiu à campanha #NãoVolte, desenvolvida pela agência AlmapBBDO para a Rede Brasil do Pacto Global, entidade ligada à ONU que promove os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no meio empresarial. O que eles pedem é que o mundo, nunca mais, volte ao normal. A primeira ação do movimento se deu na forma de um vídeo, que explica os motivos por trás da iniciativa. Participam da peça Artur Grynbaum, CEO do Grupo Boticário, Juliana Baiardi, presidente da Atvos, Guilherme Wegee, CEO do Grupo Malwee, Luana Genót, diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil, Eduardo Fisher, CEO da MRV, e Andreia Dutra, presidente da SODEXO. Paralelamente, os demais CEOs e executivos participam hoje de um devate sobre mudanças climáticas, promovido pela Rede Brasil do Pacto Global.
“Estamos falando muito de retomada. Mas, essa palavra remete a um lugar em que você estava. Só que esse lugar não era bom”, afirma Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global. “A crise da covid é uma questão ambiental, que se transformou numa crise sanitária e agora está virando um problema humanitário e econômico. Não podemos voltar a usar a natureza de maneira tão indevida.”
O ponto de partida é econômico. “É mais barato cuidar do planeta”, afirma o economista indiano Pavan Sukhdev, presidente do conselho global da ONG WWF e CEO da consultoria GIST Advisory. Sukhdev, ex-executivo do Deutsche Bank, também é autor de um estudo revolucionário: The Economics of Ecosystems and Biodiversity (A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), que ficou conhecido no mercado financeiro como TEEB. No trabalho, publicado em 2008, ele apresenta o conceito de “capital natural”. Basicamente, Sukhdev defende que o capital existe em outras formas, além da financeira — por exemplo, capital humano, ambiental, social, entre outros.
“Nenhum outro país possui um capital natural como o Brasil. É uma verdadeira potência”, afirmou Sukhdev à EXAME. “Esse capital será o grande negócio, daqui para frente. O mundo não precisa de mais produção. Já existem produtos suficientes. O que vai garantir crescimento econômico são os serviços ambientais, a biotecnologia e, especialmente, o capital humano.”
Revolução empresarial
O que atrai os CEOs para essa agenda não é apenas a chance de se posicionar de maneira construtiva perante o consumidor. É também a oportunidade de comunicar o desejo de promover mudanças em seus setores de atuação.
Para a sueca Scania, fabricante de veículos pesados, entrar nessa nova agenda ambiental é uma questão de sobrevivência. “Nós sabemos que o setor de transporte vai mudar, saindo do combustível fóssil para a eletrificação”, afirma Christopher Podgorski, CEO da empresa na América Latina. “E isso é fantástico. Temos um desafio de engenharia pela frente, mas podemos construir um mundo melhor. O que a agenda ambiental nos dá é a possibilidade de evoluir.”
Essa reinvenção de um setor também é o que motiva Ítalo Freitas, CEO da concessionária de energia AES Tietê. “Podemos contemplar até a mudança da natureza do nosso negócio”, diz Freitas. “O avanço da oferta de energia se dará por meio das fontes eólica e solar. A geração distribuída (pequenos sistemas de geração, como painéis solares domésticos) será uma realidade. Nesse cenário, o papel de uma distribuidora passa a ser a de gestora de ativos energéticos. Isso significa não apenas cobrar do consumidor pela energia utilizada, mas desenvolver pacotes de acordo com o perfil de cada cliente, até mesmo agregando outros serviços. Talvez a gente venda um pacote de energia limpa junto com uma assinatura do Netflix.” Pode parecer utopia, mas é o novo normal que os CEOs querem.
Confira a lista de CEOs e lideranças que participaram do debate sobre mudanças climáticas:
- Ana Buchaim, diretora da B3
- Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade
- André Clark, CEO da Siemens Energy
- Andreia Dutra, presidente da Sodexo
- Artur Gynbaum, CEO do Grupo Boticário
- Caio Magri, diretor-presidente do Ethos
- Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global
- Carlo Mussi, Director da CEPAL Brasil
- Carlos Nobre, Climatologist at IPCC member
- Christopher Podgorski, CEO da Scania na América Latina
- Cristiano Cardoso, CEO da Klabin
- Daniela Lerario, Sistema B
- Denise Hamú, representante da UNEP no Brasil
- Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura
- Eduardo Fischer Teixeira de Souza, CEO da MRV
- Emilly Ewell, CEO da Pantys
- Gonzalo Munõz, fundador da TriCiclos
- Guilherme Weege, CEO at Grupo Malwee
- Henrik Henriksson, CEO da Scania Group
- Ítalo Freitas, CEO da AES Tietê
- Jianqiang Zhao, CEO da CTG Brasil
- Johan Rockström, Director do Potsdam Institute for Climate Impact Research
- Jonas Lindstrom, diretor-executivo da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira
- Juca Andrade, vice-presidente da B3
- Kalil Cury Filho, fundador da GIST Impact
- Karine Bueno, superintendente de sustentabilidade do Santander
- Lauro Marins, diretor-executivo do CDP na América Latina
- Lila Karbassi, diretora da UNGC
- Liz Davidson, embaixador da Inglaterra
- Luiz Carlos Xavier, coordenador da plataforma de clima da Braskem
- Manfredo Rubens, CEO da BASF
- Marcelo Castelli, CEO da Votorantim Cimentos
- Marcelo Cerqueira, vice-presidente da Braskem
- Marcos Matias, CEO da Schneider Electric Brasil
- Maria Luiza Paiva, diretora da Suzano
- Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart
- Nicky Fabiancic, coordenador da ONU
- Pablo Fava, CEO da Siemens Infrastructure and Industry
- Pavan Sukhdev, CEO da GIST Advisory Switzerland e presidente do conselho da WWF
- Renato Horta Franklin, CEO da Movida
- Ricardo Rodrigues de Carvalho, CEO da CBA
- Rodolfo Sirol, diretor de sustentabilidade da CPFL Energia
- Rodrigo Figueiredo, vice-presidente da Ambev
- Solange Ribeiro, CEO da Neoenergia (Iberdrola)
- Teresa Vernaglia, CEO da BRK Ambiental
- Viviane Martins, CEO da Falconi
- Walter Schalka, CEO da Suzano